O sono é um estado comportamental
complexo fundamental na manutenção fisiológica do organismo, sendo um repouso
físico e mental que ocorre em um período de inconsciência total ou parcial e,
por ser uma manifestação biológica, possui uma história evolucionária. Essa
história pode ser estudada com dois objetivos diferentes: para se compreender o
próprio sono, onde se considera o sono como um elemento definidor de um táxon
(conjunto de entidades que faz um grupo distinto de outro); e para se compreender
melhor o sono propriamente dito (TUFIK, 2008).
A
identificação do sono com movimentos oculares rápidos, o sono REM (Rapid Eye Movements),
foi feita em 1953 pelos pesquisadores Aserinsky e Kleirman, inaugurando o
entendimento do sono. Atualmente atribui-se aos sistemas hipotalâmicos e suas
respectivas interações funcionais com o sistema de controle temporizador
circadiano o controle deste ciclo, sendo três sub-divisões hipotalâmicas
importantes no sono-vigília: o hipotálamo anterior (núcleos gabaérgicose e
núcleos supraquiasmáticos), o hipotámo posterior (núcleo túbero-mamilar
histaminérgico) e o hipotálamo lateral (sistema hipocretinas) (ALÓE; AZEVEDO; HASAN, 2005).
A
função do sono, por mais que não esteja totalmente esclarecida, é de restaurar
os níveis normais de atividade e a homeostase normal entre as diferentes partes
do sistema nervoso central, também está envolvido com a conservação do
metabolismo energético, com a cognição, termorregulação, maturação neural e a
saúde mental. Embora seja um período de descanso, o sono não é um indicador de
estado passivo do sistema nervoso, e sim um episódio ativo, com fases distintas
e bem características (ALBERTINI,
2017).
O
sono apresenta estágios alternantes, e cada estágio possui padrões eletroencefalográficos
característicos, segundo frequência e amplitude de ondas, que são diferentes
daqueles observados durante a vigília. O sono normal é constituído pela
alternância dos estágios REM e NREM (não REM). O sono NREM é caracterizado pela
presença de ondas sincronizadas no eletroencefalograma e pode ser subdividido
em quatro fases: estágio 1, 2, 3 e 4 (3 e 4 correspondem a ondas lentas ou sono
delta). O eletroencefalograma (EEG) do sono REM é caracterizado por ondas
dessincronizadas e de baixa amplitude. A sincronização-dessincronização das
ondas do EEG do sono NREM-REM e vigília ocorre em virtude da atividade neural
nos circuitos tálamo-corticais (núcleos reticulares do tálamo e córtex
cerebral), decorrentes da interação entre os núcleos monoaminérgicos e
colinérgicos do tronco encefálico. Durante o sono REM, os sistemas aminérgicos
não estão ativos e a ativação colinérgica ativa o córtex diretamente. Na
vigília, os sistemas aminérgicos, dopaminérgicos, hipocretinas e colinérgicos
estão ativos (modulação aminérgica cortical) (ALÓE; AZEVEDO; HASAN, 2005).
Na fase NREM ocorre diminuição da tensão
arterial, frequência respiratória e atividade muscular, porém, o indivíduo
ainda possui capacidade de realizar movimentos, enquanto na fase REM, ocorre
atonia de todos os músculos esqueléticos com exceção dos respiratórios,
cardíaco, oculares e do ouvido (UFF, 2017).
Existe um tipo de sono caracterizado por uma
fase denominada de USWS (unihemispheric slow-wave sleep), conhecido como “sono
unihemisférico de ondas lentas", onde nesta fase ocorre desligamento de
apenas um hemisfério cerebral enquanto o outro mantém-se ativo e permite ao
animal proteção contra possíveis predadores e atenção para adquirir alimentos disponíveis,
esse é o tipo de sono que os cetáceos possuem. Este tipo diferenciado de sono
USWS é importante para esses animais, pois eles dispõem de respiração pulmonar,
e assim evita que eles morram afogados enquanto dormem (RIBEIRO, 2014). O sono
de ondas lentas ajuda o cérebro a consolidar memórias novas e recuperar-se de
atividades diárias, este permite que os animais mantenham a atenção ao perigo
enquanto descansam e também permite que o golfinho mantenha certos processos
fisiológicos necessários para sua sobrevivência. Às vezes, os golfinhos
permanecem imóveis na superfície da água durante o sono, em outras, nada
lentamente. Dentro de 24 horas, cada metade do cérebro recebe cerca de 4 horas
de sono de ondas lentas, há poucas evidências sobre a fase REM no sono de
golfinhos, visto que no sono REM ocorre a perda do tônus muscular, o que é
incompatível com o nado e leva a falta de controle de temperatura corporal em
baixo d’água que leva a um esfriamento muito rápido (FROES, 2013; PENSADOR,
2014).
Os cetáceos só conseguem respirar quando estão
conscientes, os golfinhos, por exemplo, passaram por um processo de adaptação o
qual faz com que eles durmam em intervalos, que podem variar de 15 minutos a 2
horas. Portanto, esses animais passam o dia e a noite dormindo curtos períodos.
Ao invés de, quando adormecem, entrarem em estado inconsciente como os humanos,
o golfinho descansa um hemisfério cerebral por vez, portanto, enquanto um lado
do cérebro está a descansar, o outro está ativo e isso permite que o golfinho
consiga abrir seu espiráculo acima da superfície d’água e não morrer afogado. O
olho do animal que se mantém aberto durante seu sono é o oposto ao que está ativo
este lado se mantém ligado em alerta baixo útil para vigiar predadores,
obstáculos e outros animais, monitorando o ambiente e também sinaliza o momento
que é necessário subir para respirar, depois de certo intervalo de tempo o
golfinho repete o processo alternando o hemisfério cerebral que será ativado.
Além disso, os cetáceos em geral reduzem sua frequência respiratória enquanto
repousam, na vigília respiram em média 8 a 12 vezes por minuto e em repouso, 3
a 7 vezes (RIBEIRO, 2014). Esse tipo de comportamento é de extrema importância
quando relacionado a outras funções fisiológicas como a maternidade, onde a mãe
baleia, por exemplo, não pode parar de nadar nem por um segundo sequer, pois
seu filhote não possui gordura o suficiente para boiar ainda, e este se mantém
muito próximo à ela enquanto se desenvolvem para juvenil.
Os cetáceos são ótimos exemplos de como a
neurofisiologia é plástica e adaptável aos hábitos de cada espécie, estes
demonstram grande vantagem em sua característica peculiar alternativa para o
repouso fisiologicamente necessário.
Escrito por Larissa Fernandes.
REFERÊNCIAS
ALBERTINI, Letícia. Sono: História
e Plasticidade. Disponível em:
<http://www.neurofisiologia.unifesp.br/sono.htm>. Acesso em: 01 ago.
2017.
ALÓE, Flávio; AZEVEDO, Alexandre Pinto de;
HASAN, Rosa. Mecanismos do ciclo sono-vigília. Revista Brasileira
de Psiquiatria, [s.l.], v. 27, n. 1, p.33-39, maio 2005.
FapUNIFESP (SciELO). http://dx.doi.org/10.1590/s1516-44462005000500007.
FROES, Maíra. O sono do
golfinho. 2013. Disponível em: <http://blog.sbnec.org.br/2013/03/o-sono-do-golfinho/>.
Acesso em: 02 ago. 2017.
PENSADOR, Lello. Como os golfinhos
dormem? 2014. Disponível em:
<http://socuriosidadesedicas.blogspot.com.br/2014/06/como-os-golfinhos-dormem.html>.
Acesso em: 2 ago. 2017.
Ponto em Comum. Como Golfinhos Dormem Sem Se Afogar? | Ep. 47. S.i.. 2016. (6 min.), son., color. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=vKLFpzKKmcg>. Acesso em: 01 ago.
2017.
RIBEIRO, FabrÍzia. COMO É QUE OS
GOLFINHOS NÃO SE AFOGAM QUANDO DORMEM?2014. Disponível em:
<https://www.megacurioso.com.br/animais/43300-como-e-que-os-golfinhos-nao-se-afogam-quando-dormem.htm>.
Acesso em: 01 ago. 2017.
TUFIK, Sergio. Medicina e Biologia
do Sono. Barueri: Manole, 2008.
UFF. Sono dos animais. Disponível
em: <http://www.uff.br/webvideoquest/sono/LM2.htm>. Acesso em: 02 ago.
2017.
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