terça-feira, 12 de setembro de 2017

A NEUROFISIOLOGIA DO SONO DE CETÁCEOS

            O sono é um estado comportamental complexo fundamental na manutenção fisiológica do organismo, sendo um repouso físico e mental que ocorre em um período de inconsciência total ou parcial e, por ser uma manifestação biológica, possui uma história evolucionária. Essa história pode ser estudada com dois objetivos diferentes: para se compreender o próprio sono, onde se considera o sono como um elemento definidor de um táxon (conjunto de entidades que faz um grupo distinto de outro); e para se compreender melhor o sono propriamente dito (TUFIK, 2008).
A identificação do sono com movimentos oculares rápidos, o sono REM (Rapid Eye Movements), foi feita em 1953 pelos pesquisadores Aserinsky e Kleirman, inaugurando o entendimento do sono. Atualmente atribui-se aos sistemas hipotalâmicos e suas respectivas interações funcionais com o sistema de controle temporizador circadiano o controle deste ciclo, sendo três sub-divisões hipotalâmicas importantes no sono-vigília: o hipotálamo anterior (núcleos gabaérgicose e núcleos supraquiasmáticos), o hipotámo posterior (núcleo túbero-mamilar histaminérgico) e o hipotálamo lateral (sistema hipocretinas) (ALÓE; AZEVEDO; HASAN, 2005).
A função do sono, por mais que não esteja totalmente esclarecida, é de restaurar os níveis normais de atividade e a homeostase normal entre as diferentes partes do sistema nervoso central, também está envolvido com a conservação do metabolismo energético, com a cognição, termorregulação, maturação neural e a saúde mental. Embora seja um período de descanso, o sono não é um indicador de estado passivo do sistema nervoso, e sim um episódio ativo, com fases distintas e bem características (ALBERTINI, 2017).
O sono apresenta estágios alternantes, e cada estágio possui padrões eletroencefalográficos característicos, segundo frequência e amplitude de ondas, que são diferentes daqueles observados durante a vigília. O sono normal é constituído pela alternância dos estágios REM e NREM (não REM). O sono NREM é caracterizado pela presença de ondas sincronizadas no eletroencefalograma e pode ser subdividido em quatro fases: estágio 1, 2, 3 e 4 (3 e 4 correspondem a ondas lentas ou sono delta). O eletroencefalograma (EEG) do sono REM é caracterizado por ondas dessincronizadas e de baixa amplitude. A sincronização-dessincronização das ondas do EEG do sono NREM-REM e vigília ocorre em virtude da atividade neural nos circuitos tálamo-corticais (núcleos reticulares do tálamo e córtex cerebral), decorrentes da interação entre os núcleos monoaminérgicos e colinérgicos do tronco encefálico. Durante o sono REM, os sistemas aminérgicos não estão ativos e a ativação colinérgica ativa o córtex diretamente. Na vigília, os sistemas aminérgicos, dopaminérgicos, hipocretinas e colinérgicos estão ativos (modulação aminérgica cortical) (ALÓE; AZEVEDO; HASAN, 2005).
Na fase NREM ocorre diminuição da tensão arterial, frequência respiratória e atividade muscular, porém, o indivíduo ainda possui capacidade de realizar movimentos, enquanto na fase REM, ocorre atonia de todos os músculos esqueléticos com exceção dos respiratórios, cardíaco, oculares e do ouvido (UFF, 2017).
Existe um tipo de sono caracterizado por uma fase denominada de USWS (unihemispheric slow-wave sleep), conhecido como “sono unihemisférico de ondas lentas", onde nesta fase ocorre desligamento de apenas um hemisfério cerebral enquanto o outro mantém-se ativo e permite ao animal proteção contra possíveis predadores e atenção para adquirir alimentos disponíveis, esse é o tipo de sono que os cetáceos possuem. Este tipo diferenciado de sono USWS é importante para esses animais, pois eles dispõem de respiração pulmonar, e assim evita que eles morram afogados enquanto dormem (RIBEIRO, 2014). O sono de ondas lentas ajuda o cérebro a consolidar memórias novas e recuperar-se de atividades diárias, este permite que os animais mantenham a atenção ao perigo enquanto descansam e também permite que o golfinho mantenha certos processos fisiológicos necessários para sua sobrevivência. Às vezes, os golfinhos permanecem imóveis na superfície da água durante o sono, em outras, nada lentamente. Dentro de 24 horas, cada metade do cérebro recebe cerca de 4 horas de sono de ondas lentas, há poucas evidências sobre a fase REM no sono de golfinhos, visto que no sono REM ocorre a perda do tônus muscular, o que é incompatível com o nado e leva a falta de controle de temperatura corporal em baixo d’água que leva a um esfriamento muito rápido (FROES, 2013; PENSADOR, 2014).
Os cetáceos só conseguem respirar quando estão conscientes, os golfinhos, por exemplo, passaram por um processo de adaptação o qual faz com que eles durmam em intervalos, que podem variar de 15 minutos a 2 horas. Portanto, esses animais passam o dia e a noite dormindo curtos períodos. Ao invés de, quando adormecem, entrarem em estado inconsciente como os humanos, o golfinho descansa um hemisfério cerebral por vez, portanto, enquanto um lado do cérebro está a descansar, o outro está ativo e isso permite que o golfinho consiga abrir seu espiráculo acima da superfície d’água e não morrer afogado. O olho do animal que se mantém aberto durante seu sono é o oposto ao que está ativo este lado se mantém ligado em alerta baixo útil para vigiar predadores, obstáculos e outros animais, monitorando o ambiente e também sinaliza o momento que é necessário subir para respirar, depois de certo intervalo de tempo o golfinho repete o processo alternando o hemisfério cerebral que será ativado. Além disso, os cetáceos em geral reduzem sua frequência respiratória enquanto repousam, na vigília respiram em média 8 a 12 vezes por minuto e em repouso, 3 a 7 vezes (RIBEIRO, 2014). Esse tipo de comportamento é de extrema importância quando relacionado a outras funções fisiológicas como a maternidade, onde a mãe baleia, por exemplo, não pode parar de nadar nem por um segundo sequer, pois seu filhote não possui gordura o suficiente para boiar ainda, e este se mantém muito próximo à ela enquanto se desenvolvem para juvenil.
Os cetáceos são ótimos exemplos de como a neurofisiologia é plástica e adaptável aos hábitos de cada espécie, estes demonstram grande vantagem em sua característica peculiar alternativa para o repouso fisiologicamente necessário.
           
Escrito por Larissa Fernandes.

REFERÊNCIAS
ALBERTINI, Letícia. Sono: História e Plasticidade. Disponível em: <http://www.neurofisiologia.unifesp.br/sono.htm>. Acesso em: 01 ago. 2017.
ALÓE, Flávio; AZEVEDO, Alexandre Pinto de; HASAN, Rosa. Mecanismos do ciclo sono-vigília. Revista Brasileira de Psiquiatria, [s.l.], v. 27, n. 1, p.33-39, maio 2005. FapUNIFESP (SciELO). http://dx.doi.org/10.1590/s1516-44462005000500007.
FROES, Maíra. O sono do golfinho. 2013. Disponível em: <http://blog.sbnec.org.br/2013/03/o-sono-do-golfinho/>. Acesso em: 02 ago. 2017.
PENSADOR, Lello. Como os golfinhos dormem? 2014. Disponível em: <http://socuriosidadesedicas.blogspot.com.br/2014/06/como-os-golfinhos-dormem.html>. Acesso em: 2 ago. 2017.
Ponto em Comum. Como Golfinhos Dormem Sem Se Afogar? | Ep. 47. S.i.. 2016. (6 min.), son., color. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=vKLFpzKKmcg>. Acesso em: 01 ago. 2017.
RIBEIRO, FabrÍzia. COMO É QUE OS GOLFINHOS NÃO SE AFOGAM QUANDO DORMEM?2014. Disponível em: <https://www.megacurioso.com.br/animais/43300-como-e-que-os-golfinhos-nao-se-afogam-quando-dormem.htm>. Acesso em: 01 ago. 2017.
TUFIK, Sergio. Medicina e Biologia do Sono. Barueri: Manole, 2008.

UFF. Sono dos animais. Disponível em: <http://www.uff.br/webvideoquest/sono/LM2.htm>. Acesso em: 02 ago. 2017.