domingo, 3 de junho de 2018

COMPARANDO AS TERMINAÇÕES NERVOSAS LIVRES DE HUMANOS X TRUTA ARCO-ÍRIS (Oncorhynchus mykiss)


As terminações nervosas livres são terminações neuronais presentes nos mamíferos, responsáveis, entre outras sensações, pela percepção de estímulos nocivos, sendo conhecidas como nociceptores ou receptores da dor (do latin nocere, "machucar"), que são ativados por estímulos intensos mecânicos, térmicos, e químicos aplicados sobre a superfície corporal. Eles estão presentes em diversos tecidos como pele, articulação, meninges, ossos, vísceras, etc. Quando um estímulo de alta intensidade de qualquer uma dessas classes atinge um nociceptor, inicia-se o processo de transdução, que é o mecanismo de conversão de estímulos nocivos em sinais eletroquímicos que serão levados para o sistema nervoso central (SNC) em forma de potenciais de ação. No SNC haverá o processamento elaborado da sensação aversiva que, em seguida, gera respostas adequadas para defender o corpo do estimulo nocivo, mesmo que não ocorra a percepção consciente da situação.
Os nociceptores são caracterizados pela ausência ou pouca quantidade de mielina que revestem seus axônios. Aqueles com pouca mielina e que conduzem a informação nociceptiva a uma velocidade de 5-30 m/s, são os de fibra tipo Aδ e aqueles com axônios não mielinizados e que conduzem a informação nociceptiva a uma velocidade de 2 m/s são os de fibra tipo C. Geralmente os primeiros respondem a estímulos mecânicos de intensidade perigosa, ou a estímulos intensos tanto mecânicos quanto térmicos e o segundo a estímulos térmicos, mecânicos e químicos e por isso também são conhecidos como nociceptores polimodais.


Figura 1: Terminações nervosas sensitivas. O círculo indica a localização e estrutura das terminações nervosas livres. 
 

Figura 2: Condução da informação nociceptiva para o SNC. Em b está esquematizado os dois tipos de nociceptores cujo corpos celulares passam dentro do gânglio da raiz dorsal e em seguida projetam-se para o corno dorsal da medula espinhal.



Terminações nervosas livres na Truta arco-iris
A presença das terminações nervosas livres na truta arco-íris (Oncorhynchus mykiss) foi demonstrada através de um estudo realizado no nervo trigêmeo, que consistia em determinar se nessa estrutura havia a presença das fibras e C e se as mesmas poderiam atuar como nociceptores. Ambas foram encontradas nos três ramos deste nervo (nervo oftálmico, nervo mandibular e nervo maxilar). As fibras C compreendia 4% do total do tipo de fibra (3,8% oftálmica, 4,1% maxilar e 4,1% mandibular) e apresentaram diâmetros entre 0,1 e 1,2 μm, já as fibras Aδ correspondiam a 33%, com diâmetros entre 0,4 a 5,8 μm.
A atividade neural do nervo trigêmeo foi registrada e desta maneira foi demostrada a presença de mecanorreceptores de adaptação rápida e polimodais de adaptação lenta que respondiam a estímulos mecânicos, térmicos e químicos, assim como mostrado nos mamíferos.
A baixa presença das fibras C na truta em relação aos seres humanos (50% do total de fibras do nervo) pode estar associada a evolução dos vertebrados, em que a passagem do ambiente aquático para o ambiente terrestre aumentou a exposição dos animais a estímulos nocivos como grandes mudanças de temperatura, maior exposição a gases nocivos e maiores chances de haver lesão mecânica devido à gravidade. Tudo isso faz com que a presença de um sistema nociceptivo desempenhe um papel vital maior nos animais terrestres em relação aos animais aquáticos.
Em outro estudo posterior, também foi demonstrado a presença desses receptores. Foram encontrados mecanorreceptores de adaptação rápida com velocidade de condução variando entre 1,62 a 6,32 m/s e mecanorreceptores de adaptação lenta com velocidade de condução variando entre 1,4 e 6 m/s, em ambos os casos a velocidade indicou que as fibras eram do tipo Aδ. Os receptores não responderam à estímulos químicos e térmicos. Os nociceptores polimodais encontrados responderam ao calor e estimulação química nocivos e apresentaram resposta de adaptação lenta ao estimulo mecânico. A velocidade de condução variou entre 0,67 a 8,5 m/s. Dentro dos polimodais encontrados, apenas uma fibra era do tipo C e as demais eram do tipo Aδ. Também foram encontrados nociceptores mecanotérmicos e receptores mecânoquimicos, o primeiro respondeu ao calor nocivo e ao estimulo mecânico e o segundo respondeu ao estimulo químico e mecânico. A velocidade de condução variou entre 4 e 4,7 m/s e 2,58 e 5 m/s respectivamente entre entes receptores caracterizando-os como do tipo Aδ.



Figura 3: Truta Arco-iris.

Escrito por Rafael Galisa de Oliveira





Referências:

MENESCAL-DE-OLIVEIRA, L. Neurobiologia da dor e da analgesia. In: Reflexões em torno da dor. 1 ed., p. 131-168. Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto-USP: Ribeirão Preto, 2008.

PURVES, D. et al. Neurociências. 4. ed. Porto Alegre: Artmed, 2010.  p. 231-251.

SNEDDON, Lynne U. Anatomical and electrophysiological analysis of the trigeminal nerve in a teleost fish, Oncorhynchus mykiss. Neuroscience letters, v. 319, n. 3, p. 167-171, 2002.

SNEDDON, Lynne U. Trigeminal somatosensory innervation of the head of a teleost fish with particular reference to nociception. Brain research, v. 972, n. 1-2, p. 44-52, 2003.

YOUNG, R. F. Fiber spectrum of the trigeminal sensory root of frog, cat and man determined by electron microscopy. Pain in the trigeminal region, p. 137-160, 1977.

Imagens:
Figura 1 (adaptada de): CONCURSO E FISIOTERAPIA. Corpúsculo de Ruffini. Disponível em: <http://www.concursoefisioterapia.com/2016/12/corpusculo-de-ruffini.html>. Acesso em: 01 de junho 2018.

Figura 2 (adaptada de): STUGINSKI-BARBOSA, J. Neurofisiologia da dor. 2010. Disponível em: <https://julianadentista.com/2010/06/24/neurofisiologia-da-dor/>. Acesso em: 31 maio 2018.

Figura 3: PESCARIA BRASIL. Truta Arco-íris. 2010. Disponível em: <http://www.pescariabrasil.com.br/2010/11/03/truta-arco-iris/>. Acesso em: 31 maio 2018.